Livro estuda os dispositivos de controle presentes na sociedade

junho 16, 2009

Professora do departamento de Psicologia Social e Institucional da UEL desenvolve pesquisa a fim de entender como os dispositivos de controle moldam a sociedade

Foto-pingPauta: Lígia Zampar
Repórter: Felipe Barros
Edição: Vitor Oshiro

Você já teve a impressão de ser controlado frequentemente no seu dia-a-dia? Seja por meio de câmeras de vigilância em uma loja, da proliferação de celulares ou por meio de mensagens com ordens imperativas, deparamo-nos com essa realidade de controle, na qual, cientes ou não, somos influenciados diretamente. Foi exatamente pensando nesses dispositivos de controle que a professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Sonia Mansano, graduada em Psicologia pela UEL e mestre e doutora pela Pontifícia Universidade Católica-SP (PUC-SP), elaborou o livro “Sorria, você está sendo controlado. Resistência e Poder na Sociedade de Controle”. Sonia Mansano é professora do Departamento de Psicologia Social e Institucional da UEL desde 1999 e conversou com o Conexão Ciência sobre os objetivos e metodologias de sua obra.

Conexão Ciência: Como surgiu a ideia do livro?
Sonia Mansano :
Este livro é fruto da tese de doutorado em Psicologia Clínica, defendida na PUC/SP em 2007, sob orientação do Prof. Dr. Alfredo Naffah Neto*. O objetivo do estudo consistiu em investigar como vem tomando forma uma sociedade organizada a partir do controle, dando maior visibilidade aos dispositivos que estão disseminados no nosso cotidiano e que, por vezes, passam despercebidos devido a sua naturalização.

Conexão Ciência: Qual a metodologia utilizada no estudo?
Sonia Mansano :
A estratégia utilizada nesta pesquisa foi a descrição de fatos que ocorrem em nosso dia a dia e que mantém os dispositivos de controle tão próximos. Assim, as situações de controle investigadas foram divididas em três campos. Primeiramente, a “vigilância disseminada”: nesse capítulo são descritos os vários dispositivos de controle que são utilizados para tentar garantir algum grau de segurança. Eles vão desde os equipamentos tecnológicos, como os celulares e as câmeras que estão espalhadas por espaços públicos e privados; mas também englobam diferentes enunciados que se tornaram corriqueiros e nos convocam à vigilância como, por exemplo, “Sorria, você está sendo filmado” ou “Visite nossa cozinha”. Em seguida, é analisado no livro o que chamei de “controle estimulação”. Para isso , recorri aos estudos de Michel Foucault**. Neste ponto estão descritas as formas de controle que incidem sobre diferentes esferas. Partindo de exemplos triviais, fica evidente o quanto as campanhas publicitárias atravessam nosso cotidiano e pretendem, pela via da incitação, controlar a relação entre consumidor e mercadoria. Por fim, trato do “controle de riscos”. Nesse campo, as descrições apresentadas envolvem a manutenção da saúde e o prolongamento da existência. Trata-se aqui de prever alguns eventos futuros que poderiam, de alguma maneira, comprometer a saúde e o bem estar da população, buscando mantê-la saudável, consumindo e produzindo. Um exemplo pode ser encontrado nas campanhas anti-tabagismo que buscam sensibilizar a população para as doenças que podem se manifestar no fumante em um tempo futuro. Obviamente, essas esferas analisadas não esgotam os dispositivos de controle que circulam em nosso cotidiano. Assim, ao entrar em contato com tais descrições, o leitor certamente lembrará de diversas outras ocasiões em que se sentiu controlado ou controlando.

Conexão Ciência: Quais os meios de comunicação analisados?
Sonia Mansano :
Para que as descrições mantivessem uma proximidade com as nossas experiências cotidianas, foram analisados documentos que são de domínio público como jornais, sites, revistas, propagandas e programas televisivos que são veiculados nas diversas regiões de nosso país.

Conexão Ciência: Do que são compostos os mecanismos?
Sonia Mansano :
Na pesquisa, preferi utilizar o conceito “dispositivo”, também recorrendo aos estudos de Michel Foucault. Os dispositivos podem ser compreendidos como um conjunto vasto de elementos que vão desde os enunciados, passando por planejamentos e reformas de espaços urbanos, pelo uso de equipamentos sofisticados de vigilância e prevenção, até a participação voluntária da população nas redes de controle.

Conexão Ciência: É possível contextualizar na história o início dos mecanismos de controle? Quando o homem se conscientizou que tinha esse “poder”?
Sonia Mansano :
Um dos objetivos deste estudo consistiu em assinalar a emergência histórica de uma nova configuração de poder marcada pelo controle. Gilles Deleuze*** já se interessara por dar visibilidade a essa passagem que vai da sociedade disciplinar à de controle. Para este autor, desde o final da Segunda Guerra Mundial, estamos vivendo uma série de transformações nos modos de organizar a vida em sociedade. Podemos citar, por exemplo, o enfraquecimento de algumas instituições como a família, a escola e as fábricas. Com isso, o indivíduo que era mais disciplinado e inserido no interior desses espaços – onde realizava funções precisas que eram descritas em papéis sociais cristalizados tais como o papel de aluno, de pai, de trabalhador, entre outros – passa a circular mais livremente e para fora deles. De certa maneira, isso fez com que os dispositivos disciplinares perdessem parte de sua eficiência. A circulação rápida de pessoas, o acesso a diferentes informações e a facilidade de comunicação abriu espaço para a construção de um regime de poder distinto. O livro busca, então, caracterizar este momento histórico híbrido, no qual tanto os dispositivos disciplinares quanto os de controle se compõem e produzem efeitos na vida cotidiana.

Conexão Ciência: Todo tipo de controle é ruim? Como diferenciar o positivo do negativo?
Sonia Mansano :
Não cabe pensar a questão do controle em termos de efeitos positivos ou negativos, pois há neste ponto, de acordo com Deleuze, um jogo complexo de liberações e de sujeições que só pode ser analisado a cada situação. O fato é que não estamos simplesmente passivos diante desses dispositivos. Existem focos de resistência que são ensaiados e criados a todo o momento, provocando reversões, mudanças, rupturas. Isso inviabiliza qualquer tentativa de manter um controle absoluto sobre a vida.

Conexão Ciência: Quais são os exemplos mais comuns de controle que passam despercebidos pela sociedade?
Sonia Mansano :
A vigilância já ganhou bastante visibilidade nos últimos anos, em especial pela crescente preocupação ligada à segurança pública. Já as formas de controle realizadas pela via da estimulação e da prevenção de riscos ainda são pouco reconhecidas ” apesar de produzirem efeitos diversos em nossas vidas.

Conexão Ciência: Pode-se dizer que valores da sociedade são “impostos” através desses mecanismos?
Sonia Mansano :
A elaboração, a disseminação e o acolhimento dos dispositivos de controle não acontecem por uma simples imposição. Pode-se dizer que, de diferentes maneiras, participamos dessas construções. Em nosso cotidiano percebemos e, em várias ocasiões, desejamos que esse controle seja realizado com mais frequência e intensidade. É notável que as formas de controle ganharam maior destaque a partir das intervenções da mídia. Bem informada, a população encontra-se a cada dia mais atenta e conectada a detalhes que outrora passavam praticamente despercebidos. Mas, por outro lado, diante da disseminação variada desse dispositivo, pessoas e grupos tornam-se resistente a eles, recusando-se, por exemplo, ao consumo, à vigilância e às atitudes preventivas.

Conexão Ciência: Por fim, há algum diagnóstico ou aviso a ser feito sobre o estudo realizado?
Sonia Mansano :
A Psicologia, como área de conhecimento que busca compreender as relações afetivas e seus efeitos subjetivos, aproxima-se das questões sociais que atravessam nosso cotidiano. Mapear e descrever as situações de controle serve para analisarmos o tipo de vida que estamos ajudando a construir para nós mesmos e para os outros. A cada vez que nos conectamos a um dispositivo de controle, por mais simples e inofensivo que ele possa ser ou parecer, damos certa direção à existência. Assim, cabe investigar as possibilidades de autonomia e de resistência do sujeito frente às relações de poder nas quais ele está inserido. Por onde é possível escapar, construindo novas formas de vida, de sensibilidade e de relação, é um dos desafios colocados para a prática da Psicologia.

*O professor Alfredo Naffah Neto possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Mestrado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutorado em Psicologia Clínica pela mesma Instituição.
**Michel Foucault é um filósofo francês cujas noções afirma que o poder não é considerado algo que o indivíduo cede a um soberano (concepção contratual jurídico-política), mas sim como uma relação de forças. Assim, uma pessoa está atravessada por relações de poder, não podendo ser considerada independente delas. Para Foucault, o poder não somente reprime, mas também produz efeitos de verdade e saber, constituindo verdades, práticas e subjetividades. (Fonte: Wikipédia)
***Gilles Deleuze é um filósofo francês que prega a passagem de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de controle a fim de esvaziar a imagem da sua virtualidade, para a tornar pura informação, parte dos dispositivos de vigilância e monitorização. (Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt)

Ano 6 – Edição 68 ” 15/06/2009