A Personalidade Antissocial revela-se em pessoas com dificuldade em lidar com leis e regras e problemas no convívio em sociedade
Edição: Tatiane Hirata
Pauta: Edson Vitoretti Jr
Reportagem: Leonardo Caruso
Na sociedade, existem pessoas que tem dificuldade em seguir padrões e regras, ou
mesmo de ter um convívio saudável com os outros indivíduos de seu ciclo. Mais do que falta de moral ou respeito, certos desvios de conduta podem caracterizar uma doença conhecida por Transtorno de Personalidade Antissocial. O professor do departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina, dr. Dinarte Alexandre Prietto Ballester – graduado em medicina pela Universidade Federal do Rio Grande, mestre em Ciências Médicas pela mesma universidade e doutor em Ciências – Psiquiatria e Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo – conversou com o Conexão Ciência a respeito do assunto:
Conexão Ciência: O que é o transtorno de personalidade antissocial?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Existem duas classificações principais: a da DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais), americana, e a Classificação Internacional de Doenças (CID). Para ambas, é necessário que o paciente tenha mais de 18 anos e que, durante infância e/ou adolescência, já tenha apresentado comportamentos antissociais. Caracteriza-se em pessoas que têm dificuldade de cumprir as regras ou até mesmo uma tendência a burlar as leis do bom convívio da sociedade.
Conexão Ciência: Sociopatia e transtorno de personalidade antissocial são a mesma coisa?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: De certa forma, sim. O termo sociopatia é antigo, algo em torno de 1914. Agora o nome utilizado é Transtorno de Personalidade Antissocial, para diferenciar de outros transtornos. Com o tempo, o termo sociopatia ficou carregado de preconceito e isso é ruim, já que passamos a afastar pessoas de quem deveríamos cuidar.
Conexão Ciência: Essas pessoas são apenas contra leis e regras ou possuem outras atitudes que as caracterizem com o transtorno?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Pelo lado macro é isso. Mas também acontece numa convivência interpessoal. Por exemplo, aquela pessoa no grupo de trabalho que sempre tenta se “dar bem, passar por cima”.
Conexão Ciência: Esse transtorno tem ligações com problemas de auto-estima?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Parece que há um mecanismo de compensação. A pessoa pode até ser bem sucedida e aparentar estar contente, mas por dentro sofre, pois existe uma auto-estima baixa ou tem dificuldade de lidar com os problemas. Essas pessoas tentam compensar o sentimento de inferioridade com atitudes que geram problemas de convivência na família, entre amigos e no ambiente de trabalho.
Conexão Ciência: Dizer que essas pessoas não possuem sentimento em relação a si e às outras é uma falsa afirmação?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Qualquer ser vivo tem sensibilidade. Essas pessoas têm sentimento, mas o que se diz a respeito delas, tidas como “insensíveis”, é que elas podem aparentar não se importar com o sofrimento alheio. Mas é uma fachada. Isso é um mecanismo de defesa com aspecto inconsciente.
Conexão Ciência: Existe algum fator fisiológico ou genético que influencie no desenvolvimento do transtorno?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Existem estudos genéticos que observaram famílias nas quais gêmeos apresentaram esse tipo de problemas. Gêmeos monozigóticos que foram separados e tiveram famílias diferentes, ambientes diferentes, apresentaram os mesmos comportamentos. É provável, portanto, que exista algum tipo de relação. Mas, como todos os problemas mentais, o transtorno tem causas múltiplas: alguma tendência genética, ambiente que propicie isso (família e condições de vida) e questões psicológicas. É a interação entre o físico, psicológico e genético que irá definir a doença.
Conexão Ciência: A incidência em homens e mulheres mantêm a mesma relação?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Não. A incidência é bem maior nos homens.
Conexão Ciência: E existe alguma idade para os sintomas começarem a aparecer?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Embora o diagnóstico só possa ser feito a partir dos 18 anos de idade, a pessoa pode apresentar algum comportamento diferente antes disso, o que nos leva a crer que as medidas devem ser tomadas já quando crianças. A sociedade tem que se fiscalizar para não valorizar atitudes que estimulem essas condutas, como a competição na qual um tem que se dar bem sobre o outro. As pessoas que se sobressaem às custas das outras não devem ser vistas com bons olhos.
Conexão Ciência: O Transtorno Antissocial tem cura?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Ele tem cuidado. Entender essa pessoa, ajudá-la a melhorar. Existem tratamentos que podem ser feitos com medicamentos, psicoterapias e apoio familiar. No geral, pessoas mais velhas tendem a melhorar.
Conexão Ciência: Existem classificações para a doença?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Não existem classificações, apenas diferentes intensidades da doença, afetando mais ou menos a vida do indivíduo. Num presídio, por exemplo, é mais comum encontrarmos pessoas com um transtorno acentuado.
Conexão Ciência: O presídio é uma consequência das atitudes antissociais ou é causa do transtorno? Qual a relação da criminalidade com o problema?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Começa com o problema e acaba lá. Mas estar em um presídio pode ser um agravante da doença, já que o ambiente não favorece em nada quem sofre do transtorno.
Conexão Ciência: Existem centros de tratamentos?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Confesso que desconheço e acredito que não seja recomendado o agrupamento de pessoas com esse problema, a fim de evitar o agravamento dos casos. O que existe são os serviços de saúde, principalmente os de saúde mental.
Conexão Ciência: Quais os riscos da doença para o indivíduo e para a sociedade?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Os riscos para pessoa com transtorno são de sofrer problemas de saúde, por assumirem comportamentos de risco, como abusar de substâncias ilícitas. Essas pessoas podem ter problemas de convivência familiar e no trabalho. Para a sociedade, os riscos são baixos, pois poucos indivíduos desenvolvem níveis altos do transtorno, tornando-se perigosos. A boa convivência em sociedade é o que mais é afetado.
Conexão Ciência: E como devemos lidar com pessoas que apresentam o Transtorno?
Prof. Dr. Dinarte Ballester: Temos que fazer o contrário do que é comum fazer: incluir. É comum as pessoas excluírem quem tem o transtorno, mas isso não faz bem a ninguém. Não é fazer tudo o que o doente quer, mas também não reduzir as oportunidades de recuperação. É necessário ter paciência, procurar ajuda profissional, acreditar que quem sofre de transtornos pode melhorar. Devemos encarar como problema de saúde e não como falta de moral.
Créditos da foto: Leonardo Caruso
Ano 7 – Edição 98 – 31/7/2010